quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Por que os Black Eyed Peas conquistaram o mundo (com armas brasileiras)

Taboo, Jaime Gomez, é mistura de índio com mexicano. Apl.de.ap, Allan Pineda, de filipino com negro, vida miserável, resgatado pela adoção por uma família americana. Fergie, Stacy Ferguson, tem sangue irlandês, escocês, índio e mexicano.

Fergie é a fina da turma, boa aluna, atriz infantil, contrato com a Disney. Will.I.Am, William James Adams Jr., um negro pobre de East Los Angeles, quebrada da pesada, território chicano. Nunca conheceu o pai, foi criado pela mãe. Todos na faixa dos 35 anos. Multimilionários/superfamosos. Black Eyed Peas, hoje em São Paulo. O melhor grupo brasileiro que o Brasil não tem.

Logo em Shut Up, a primeira música que Fergie gravou com os Black Eyed Peas, encanei que tinha algo muito brasileiro sobre eles. Um certo senso de humor, de ritmo e de melodia? Multiculturalismo à vontade? Sex appeal? Era bem poptronics, era refrão fácil para grudar nos tímpanos, mas tinha algo mais ali.

Fui fuçar. Eles tinham anos de carreira. Começaram em 1995. Eram um grupo de rap, mais um, mas já com personalidade. Dois álbuns. Quer ver um vídeo bacana de antes da Fergie entrar?



Onde estava dona Fergie nessa época? Doidona. Bateu os dezoito, bateu a rebeldia. De um lado, fazia parte do Wild Orchid, grupinho pré-fabricado de gostosas. Do outro, chafurdava em crystal meth, droga de baladeiro americano. Olha a Fergie loura, com pinta de estrela pornô:



De lá para cá, os Black Eyed Peas venderam 27 milhões de álbuns e 20 milhões de singles. Não é boa medida? Qualquer vídeo deles tem mais de 20 milhões de visualizações no YouTube. Pouco?

Will.I.Am fez os hinos e vídeos que ajudaram a eleger Barack Obama dois anos atrás. Fizeram o show de abertura da Copa do Mundo 2010. Fergie tem carreira solo de sucesso. Tem trabalhado em cinema. Will também tem sua própria linha de roupas.

Os outros dois, menos famosos, mesmo assim têm seus projetos paralelos. Todos nadam em grana e todos têm trabalhos beneficentes. São o grupo mais popular do mundo. Ninguém chega perto.

Os Black Eyed Peas têm duas armas secretas. Primeira: Will.I.Am é um teórico. Percebe-se nas entrevistas. Ele pensa sobre o que faz, sobre o que acontece no mundo, sobre o papel do seu grupo, sobre como entretenimento e cultura e negócios e tecnologia se encontram.

É produtor de mão cheia, mas como ele há muitos. Os B.E.P. têm muita ambição, e valentia inigualável na hora de compor. Mudam de gêneros e registros como quem troca de roupa. Mas é tudo muito bem embasado - tem substância e cérebro calçando as maluquices.

O ponto chave no pensamento de Will.I.Am: seu papel é comunicar, e comunicar em 2010 exige utilizar todos os meios disponíveis, e passar uma mensagem muito clara, inequívoca, reduzida ao seu design mais simples e perfeito. Pense em uma música dos Black Eyed Peas como se fosse o design de um iPhone. Não é por outra razão que Will produziu de Michael Jackson e, agora, U2.

A segunda arma secreta dos Black Eyed Peas é sua brasilidade.



É muito assumido. Will.I.Am é fã de música brasileira, de Pelé, futebol brasileiro, da cultura e confusão brasileiras. Torceu pelo Brasil na Copa. Gravou seu primeiro vídeo solo no Brasil, cercado de bundinhas brazucas. Se ofereceu para regravar Mas Que Nada com Sérgio Mendes. Fergie até que rebola direitinho.



No disco mais recente, T.H.E. End, o pé dos Black Eyed Peas na nossa cozinha é menos evidente. Enveredaram por caminhos assumidamente eletrônicos, personas virtuais, super-heróis transformers de desenho japonês. Acertaram na veia. O disco arrebentou. Eles se tornaram mais populares que nunca. Ainda percebo o acento brasileiro, debaixo das camadas de elétrons.

Os Black Eyed Peas são o grupo brasileiro que o Brasil jamais terá. Porque o Brasil não olha além de suas fronteiras, não pensa o mundo. Nossos superstars estão preocupados com o programa de TV, a revista de fofoca, a grana no banco.

E nossos artistas jovens são ou muito caipiras (pouco cosmopolitas, vá lá) ou muito cabeções, muito constrangidos para se assumirem pop. Fora a preguiça de cantar direito em inglês, né? Quer falar com o mundo? Tem que falar em inglês de gente.

Enquanto isso, o grupo de Will desalojou os Ramones do topo dos grupos mais queridos pelo meu filho. Também, com videoclipes como o de Meet Me Halfway, não tem criança que resista. O pai também não.

Minha única queixa sobre os Black Eyed Peas é que não poder ver o show no Morumbi. É proibido para criança de sete anos. Não dá pra deixar Tomás em casa, enquanto assisto à banda favorita dele. Tudo bem.

O novo disco, The Beginning, sai este mês. Tomás crescerá. Os Black Eyed Peas estarão entre nós por muito tempo.


Do blog André Forastieri/R7

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